O contexto artístico dos anos 1960, de forma geral, abriu as portas para um novo cenário de exploração visual. Cada vez mais, os artistas desapegavam-se do objeto, do quadro tradicional, dos pedestais e das molduras confinantes dando espaço a uma liberdade criativa e experimental que não mais defendia uma proposta estética, mas conceitos, processos e ações. O período, marcado por uma maior reflexão político-social, instaurou a defesa pela desmaterialização na qual novos suportes começam a ser investigados, e, futuramente, aceitos pelo sistema de legitimação cultural. Muito artistas que representaram esse ambiente de transformação, dando margem ao pensamento embrionário contemporâneo, deram atenção à ephemera e estabeleceram uma aproximação ainda maior com o campo da comunicação visual.

O termo ephemera definiu toda a rede de produção paralela às obras – composta por folhetos, cartazes, cartões de visita, convites de exposições, anúncios em jornais, publicações periódicas (como livros, fanzines e revistas) – que se evidenciou de forma mais contundente a partir dos anos 1960 e 1970 como documentação estratégica para anunciar, apresentar, divulgar e disseminar trabalhos artísticos. Se observarmos o caráter desmaterializado da produção em arte a partir desse período, é possível perceber que havia uma necessidade latente por informativos externos que comunicassem sobre os trabalhos que vinham acontecendo. Assim, caracterizavam-se como (1) materiais concebidos e/ou criados por artistas para o propósito de serem reproduzidos; (2) de distribuição gratuita ou de baixo custo; (3) que apresentavam uma relação complementar com a arte – (a) eram uma expressão secundária de/sobre o universo artístico, (b) ou até componentes integrais de arte ou como arte em si. (LEIBER; ALDEN, 2001, p. 22).

Durante o período em que havia uma crescente e disseminada reivindicação pela liberdade em todas as áreas, o artista também ousou em controlar o modo pelo qual seu trabalho era apresentado e, em particular, a informação que circulava ao seu respeito, desde convites de exposições e cartazes até seu próprio catálogo. Assim, cada convite, além de ser um meio de informação, torna-se um trabalho impresso para exibição. (MOEGLIN-DELCROIX, 2001, p. 05).

Perfomances, happenings, ações e proposições – produções artísticas que apresentavam um caráter transitório por si só – passavam a requerer peças gráficas que as divulgassem, as sinalizassem e as registrassem para o circuito. Assim, a existência de uma arte que transcendia visualmente as formas tradicionais abriu espaço para a produção de uma cadeia de novos objetos apoiados na demanda por uma cultura visual que defendia novos conceitos estéticos. Além disso, a exploração de suportes gráficos por parte dos artistas marcou uma atitude estratégica de expansão dessas poéticas e de diálogos intercontinentais, já que o impresso tinha a facilidade de percorrer geografias distintas, para além dos espaços institucionais. Ao visar à ampliação do alcance de sua produção, os artistas se apoiaram nos avanços tecnológicos e na facilidade de acesso de mídias e técnicas de impressão – offset, serigrafia, fotocópias, mimeógrafos, entre outros – como novas ferramentas para atingir um público expandido.

Claro que a apropriação de suportes gráficos ou a aproximação entre arte e material impresso data desde muito antes. Há tempos os artistas já atuavam criativamente sobre peças editoriais, cartazes, manifestos, livros, revistas, entre tantos outros. A própria interferência das artes nos materiais de comunicação visual foi bastante visível nas vanguardas europeias, desde o início do século. O que ocorre é que o período marcado pelos anos 1960 e 1970 instigou artistas a negarem suportes tradicionais em busca de outras alternativas e isso culminou na utilização do impresso como possibilidade de exercício criativo, como prática artística e como crítica institucional.

Livros alternativos, convites, publicações, cartazes, postais... Os impressos alteraram a experiência com relação às obras, já que o trabalho de um artista podia, então, ser visto fora do espaço da galeria com maior facilidade e de forma mais espontânea. Por outro lado, eles realçaram um aspecto político; uma crítica ao sistema de consagração que elegia o que entrava, ou não, para dentro dos museus. Assim como artistas ainda não estabelecidos, os espaços expositivos sem fins lucrativos, os centros independentes e coletivos, os impressos também serviam como uma reação ao mercado oficial. Ephemera “vive nas margens, e não no centro do sistema estável e estabelecido. Prospera na mudança e na impermanência, favorece o processo em lugar do produto, e sofre o risco de ser descartada”1 (ALLEN, 2011, p. 2). Conforme Moeglin-Delcroix, servia como arma dentro do circuito artístico, tendo em vista sua força e potencial discursivo. Esta arma era, naturalmente, uma arma de papel, mas por isso mesmo podia ser impressa e distribuída rapidamente e em largo alcance (MOEGLIN-DELCROIX, 2001).

Atualmente, esses materiais, em geral, têm sofrido transformações, considerando a própria modificação da história da arte em si. Como toda vanguarda que é englobada pelo sistema, a rede de circulação de impressos, que surgiu de forma periférica ao campo das artes, hoje passa a ser incorporada em espaços expositivos. Essa produção tem circulado pelo mercado, elevado seu valor econômico e tem sido percebida como legítima, mesmo que ainda gerando dúvidas sobre seu estatuto de obra, documento ou material comunicativo paralelo. Museus estão abrindo espaços para armazenar esses materiais. Organiza-se um grande número de exposições e, também, feiras sobre estas produções, o que marca a crescente valorização dessas peças e aponta a necessidade de considerar esse campo de produção como representantes de um novo corpus artístico.

1  Tradução livre da autora: “They live at the margins rather than in the stable and established center. They thrive on change and impermanence, favor process over product, and risk being thrown away”.

ALLEN, Gwen. Artists’ magazines: an alternative space for art. Cambridge: MIT Press, 2011.

LIEBER, Steven (org.). Extra Art: a survey of artists’ ephemera. San Francisco: CCAC/Smart, Art Press, 2001.